quinta-feira, novembro 23, 2006

Os desafios da crise ambiental global para as relações internacionais


Não existem dúvidas de que estamos a viver uma crise ambiental de grandes proporções. A generalização a outras partes do mundo do modelo de desenvolvimento económico capitalista, assente num crescimento económico sem limites, está a exercer uma pressão muito forte sobre os recursos naturais e a capacidade de suporte de vida da Terra.

A WWF, num relatório recente, dizia que a Humanidade ao ritmo actual necessitaria de 2 planetas Terra em 2050 para se sustentar. E se se generalizasse o modelo americano ao mundo, necessitaríamos de 5 planetas. O rumo seguido pela China e a Índia, pelas suas dimensões, não augura nada de bom.
Curiosamente, nesse relatório, Cuba era o único país com níveis elevados de desenvolvimento que tinha uma utilização de recursos sustentável.

Uma das manifestações desta crise ambiental são as alterações climáticas. A intensidade energética das economias, baseada nos combustíveis fósseis, libertou em poucas dezenas de anos uma enorme quantidade de carbono acumulado no subsolo durante milhões de anos. Este e outros gases com efeito de estufa estão a romper delicados equilíbrios físico-químicos que já estão a ser fatais para inúmeras espécies e poderão sê-lo também para a nossa.

A Terra possui mecanismos de reposição dos equilíbrios necessários à vida que podem ser extremamente violentos, com tempos de reajustamento que não se coadunam com os tempos da civilização humana. É célebre, a este propósito, a Teoria de Gaia de James Lovelock. A violência de que falamos não é uma metáfora, é uma ameaça séria à sobrevivência de toda a civilização humana à escala planetária.

Os últimos dados da investigação científica (ver “The Weather Makers – The History and Future Impact of Climate Change” de Tim Flannery) sobre as alterações climáticas revelam uma evolução preocupante do fenómeno, pior do que a que se previa ainda há poucos anos. As incertezas têm sido até aqui no sentido da subestimação do problema. O ritmo de derretimento do gelo é 2 vezes superior ao que se pensava ainda há pouco tempo. Só na Gronelândia há gelo suficiente para fazer subir o nível médio das águas do mar em 6 a 7 metros. Num cenário destes, todas as cidades costeiras do planeta ficariam alagadas. Mas existem consequências potenciais das Alterações Climáticas bem piores, por difícil que possa parecer.

Não há dúvida, portanto, que estamos perante uma crise ambiental sem precedentes. Contudo, existe um problema de percepção do fenómeno. Mesmo nas sociedades complexas de hoje, as perspectivas humanas tendem a concentrar-se naquilo que é próximo, no espaço e no tempo. As pessoas preocupam-se com as questões familiares, com os problemas do seu bairro, eventualmente, com os problemas do seu país. Querem saber se têm emprego hoje, se os preços estão a subir muito, eventualmente, se virão a ter uma reforma condigna, etc..

Raramente se dão conta, ou se preocupam, com as consequências das suas acções no muito longo prazo ou em qualquer outra parte do mundo.

Esta atitude reflecte-se na política. Os políticos tendem a centrar-se na resolução dos problemas imediatos, atribuindo muita pouca importância aos interesses das gerações vindouras. A verdade é que esta atitude face à crise ambiental, repetida desde há décadas face aos avisos surgidos pelo menos desde os anos setenta, já fez com que, p.ex., o problema das Alterações Climáticas venha a ser bem grave ainda durante a vida da maior parte das pessoas hoje vivas. E como se continua a fazer muito pouco para minorar o problema, poderemos vir a ter surpresas desagradáveis muito antes do que esperávamos.

Em termos de política internacional, o predomínio é ainda o do interesse nacional estrito, com raras excepções. Os governos são responsáveis apenas pelos seus eleitores, quando o são de facto. Embora as opções de grandes potências nos afectem a todos, por exemplo se os americanos preferem andar de automóvel ou de transporte público, a verdade é que as pessoas do resto do mundo não têm maneira de influir sobre essas opções.

Ora o problema das Alterações Climáticas e da crise ambiental associada deverá obrigar a rever a base sobre a qual as relações internacionais estão assentes.

Como bem ilusta a obra de Peter Singer, “Um só Mundo, a ética da globalização”, vivemos sob uma só atmosfera, que nos torna verdadeiramente interdependentes. A atmosfera tem funcionado como uma lixeira para os resíduos do nosso estilo de vida acelerado. A atmosfera não tem fronteiras. A poluição brutal das centrais eléctricas a carvão dos EUA, da China, ou da Austrália, não pode deixar ninguém indiferente.

Num mundo denso de 6 mil milhões de pessoas, a desertificação, a escassez de água potável, a contaminação química, a insegurança alimentar, a disseminação de doenças com um potencial catastrófico como a gripe aviária, exigem dos governos do mundo uma cooperação reforçada permanente, em que os interesses mesquinhos deste ou daquele não podem prevalecer sobre o interesse comum, sob pena do desastre ser geral. E a dimensão do desastre será tal, que seria um exercício fútil tentar calcular quanto cada qual poderia perder mais ou ganhar menos.

O desenvolvimento de uma consciência global, ainda que incipiente, manifestada por ocasião dos preparativos para a Guerra do Iraque, é um sinal de esperança.

No entanto, a luta armada contra o terrorismo da Administração Bush traduz uma enorme hipocrisia e simultaneamente um grande equívoco se o objectivo é garantir a segurança dos cidadãos americanos.

Como dizia um responsável pela Agência Britânica para a Protecção da Saúde, o maior bioterrorista é a Natureza. A proliferação de doenças globais está associada a factores que incluem a aproximação do ser humano às florestas húmidas, novos processos de produção alimentar e métodos agrícolas, a explosão demográfica em cidades sem infraestruturas de saneamento básico, a crescente resistência a antibióticos, as sublevações populares e a instabilidade política.

Por outro lado, fenómenos como o Furacão Katrina puseram a nu a fragilidade da segurança de infraestruturas vitais (as mesmas definidas no Patriot Act de 2001) para a economia americana, como os portos, refinarias, etc. como denuncia o nº de Set/Out de 2006 da revista World Watch, nomeadamente os artigos “Human Security Amid Disasters – It takes more than guns and bombs” e “Katrina's National Security Impacts”. E, no entanto, não foi a Al-Qaeda que as destruiu, mas um furacão. E, se bem que a causa desse furacão em concreto não possa ser atribuível às Alterações Climáticas, a verdade é que há uma forte probabilidade de haver alguma relação.

A incapacidade do governo americano para acudir ao desastre provocado pelo Katrina revela a incompreensão sobre donde provêm os verdadeiros perigos.

Para dar uma ordem de grandeza sugestiva sobre a dimensão dos custos do furacão Katrina, ascenderam ao equivalente ao PIB combinado dos 69 países mais pobres do mundo (Fonte: World Watch Institute).

E no entanto, o Governo americano recusa-se a ratificar o Protocolo de Quioto.

A questão do Darfur é outro exemplo de uma certa forma convencional e hipócrita de encarar as relações internacionais. Atribui-se o conflito a questões étnicas e religiosas, ameaçando o governo do Sudão com uma intervenção externa. Por outro lado, culpam-se os habitantes locais por terem destruído os pastos, vitais à sua sobrevivência. No entanto, um estudo de 2003 da Universidade do Colorado, em Boulder, demonstrou que a região do Sahel (onde se inclui o Darfur) sofre de uma seca permanente que se pode atribuir a perturbações no regime de monções do Oceano Índico, por sua vez atribuíveis às Alterações Climáticas. Além disto, a poluição na Europa Ocidental teria igualmente uma importância fundamental naquela região de África.

O caso de Darfur e a disputa pela água em regiões como o Médio Oriente, são exemplos de uma luta por recursos escassos que se poderá generalizar se não existir uma cooperação internacional adequada.

O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas apresentará o Quarto Relatório de Avaliação em 2007. Na medida em que este painel, onde estão representantes de todos os governos do mundo, toma decisões por consenso, é importante que as questões políticas (interesses da OPEP, etc.) não se sobreponham à avaliação científica.

Os teóricos das relações internacionais e os políticos estão assim perante um desafio colossal: como colocar o interesse comum acima do interesse de cada Estado? Isto exigirá, certamente, uma partilha mais equitativa dos recursos naturais, uma partilha de tecnologia, enfim, um sistema económico onde a acumulação e a competição não podem ser os factores dominantes.

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