quarta-feira, março 01, 2006

O Dólar: alicerce do Império Americano


Todos os Impérios desenvolveram formas, mais ou menos sofisticadas, de tributarem as regiões por si dominadas, ou sob a sua área de influência. Do puro saque à utilização de mão-de-obra escrava, passando por regras de comércio desiguais impostas pela força até à aplicação de sistemas fiscais predadores. [Ver artigo]
O Império Americano actual é de uma "espécie" bastante sofisticada, na medida em que, em geral, não depende de um domínio territorial ou económico directo. Funda o seu poder sobre o papel atribuído ao dólar nos Acordos de Bretton Woods de 1944, como base do sistema monetário internacional. Sob a égide deste acordo, o dólar serviu de âncora ao sistema de pagamentos internacionais, pela via da sua convertibilidade numa dada quantidade de ouro. Assente na hegemonia económica e político-miltar adquirida com o fim da Segunda Grande Guerra, o dólar tornou-se moeda de aceitação universal e seguiram-se os "Trinta Gloriosos Anos", caracterizados por forte crescimento económico e pelo "Estado do Bem-Estar" ("Welfare State").
Em 1971, o Presidente Nixon acabou com a convertibilidade do dólar em ouro. A hegemonia do dólar, no entanto, subsistiu. Só que agora, sem a base material conferida pelo ouro. A gestão da política monetária dos EUA permitiu-lhe lançar na economia mundial uma enorme quantidade de dólares sem qualquer relação com a sua capacidade produtiva, o que se traduziu no enorme défice externo. Na prática, os EUA imprimiam papel (os dólares) e trocavam-nos por bens produzidos no resto do mundo. A aceitação da moeda americana como meio de pagamento universal, tornava-a uma reserva de valor. Era procurada e conservada. Isto implicava uma circulação cada vez maior de dólares fora dos EUA, sem nunca voltarem a este país de modo a reclamar a sua reconversão em algo de real, de substantivo. Nisto, em parte, se baseia o tributo. Os EUA compravam a crédito, a uma taxa de juro nula, décadas a fio, sem nunca terem necessidade de fazer grandes ajustamentos.
Quando a convertibilidade com o ouro acabou, os EUA arranjaram outra forma de manter a fidelidade dos seus parceiros comerciais em relação ao dólar. Uma série de mercadorias vitais, e sobretudo o petróleo (aceitação do dólar como única moeda de pagamento pela Arábia Saudita e, logo, pela OPEP), passaram a ser denominadas e pagas em dólares por quem quer que as quisesse adquirir no mercado internacional. Sobretudo com os choques petrolíferos, isto consolidou a posição do dólar como moeda dominante.
Com a criação do euro, este predomínio do dólar começou a ser ameaçado, e o espectro da inflação começou a pairar no horizonte da economia americana. Se, de repente, o euro substituisse o dólar, ainda que parcialmente, como reserva de valor à escala mundial, isso poderia implicar uma "enxurrada" de dólares no mercado cambial e sua consequente desvalorização, com a consequente perda de poder aquisitivo pela economia norte-americana. Era necessário, portanto, evitar a todo o custo que isso sucedesse. E o petróleo é uma peça fundamental. Não o petróleo em si, mas a moeda em que é comercializado. Quem tivesse a veleidade de vender o seu petróleo (sobretudo se se tratasse de um importante exportador) em troca de outra divisa que não o dólar, teria que ser impedido. Foi o que aconteceu ao Iraque!
A indisposição dos EUA em relação à Venezuela e ao Irão tem, em boa medida, uma origem semelhante. Embora a questão nuclear tenha o seu peso na disputa do Irão com os EUA, o Irão tem projectada uma Bolsa de Petróleo [Ver discussão sobre importância deste assunto na disputa entre EUA e Irão neste artigo que detalha os mecanismos económicos deste relação , neste contra argumento fraco e neste mais sólido] que pretende concorrer com as de Nova Iorque e de Londres. O Irão tem ameaçado negociar em moedas que não apenas o dólar, o que , tratando-se do 4º maior produtor mundial de petróleo e 2º em reservas de gás natural, seria uma ameaça bem maior do que a do Iraque.
A hegemonia económica dos EUA está assim ameaçada, e existe o risco de mais reacções irracionais, como se revelou a intervenção no Iraque, por parte dos EUA para manter a todo o custo o seu domínio económico predador e dissipador de recursos. No entanto, a prazo, isto obrigará os EUA a um ajustamento doloroso, que na realidade já está a acontecer. Se no fim deste processo, os EUA forem obrigados a uma maior temperança na utilização dos recursos energéticos, talvez isto possa compensar o facto de, por exemplo, não teram aderido ao Protocolo de Quioto.

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